Impressões

Acompanhe aqui, os pensamentos, impressões, devaneios e elaborações dos integrantes do coletivo sobre os trabalhos realizados e em andamento.
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"four rooms" (ou Grande Hotel filme de é um filme americano de 1995, dirigido por Quentin Tarantino, Allison Anders, Alexandre Rockwell e Robert). Indico aos atores assistirem a esse filme. Na verdade, não posso dizer que gosto dele, mas para mim há uma qualidade muito bacana de ser observada: o jogo entre os atores. Por isso, já vale a pena ver. Fica a dica.
Por: Raquel Medeiros C.
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À Deriva, por Vanessa Maciel.
(Relato pessoal sobre a experiência proposta por Saulo Salomão em 28/05/2011).

Começo a caminhar, com todas as minhas dúvidas e incompreensões. As palavras do Arthur e do Saulo reverberam na minha cabeça... no meu pensamento... nos meus pés... nos braços chacoalhando... nos meus olhos.  Caminho, caminho... sem saber pr’onde ir, sem saber quando chegar. Quase como um susto, começo a perceber: quinas, vértices, dobras. Todas as pontas me atraem. Beiradas, bordas, extremidades, margens. Penso em páginas de um livro, na orelha da página. O mundo de concreto é uma grande construção de orelhas...! E os homens, fragmentos! Seremos quinas, uns dos outros, com pontas arredondadas ou pontiagudos, sempre em composição?! Ou simplesmente vértices que se perdem no azul do céu, quando eu olho aqui debaixo?!  Humanidade. Quinas. Dobras. Espaços possíveis/multifacetados. Complementação! Continuo prestando atenção nisso, com segundas dúvidas e imcompreensões... e caminho... caminho...! sem saber pr’onde, sem saber quando.

Numa das esquinas do centro percebo a dobra redonda de um toldo de bar. É vermelho. Vivo. Sangue. O vermelho grita meu olhar, pede cuidado, carinho, atenção. Começo a olhar todos os vermelhos... placas, blusas, sapatos, propagandas, marca de cerveja, latinhas, paredes, vidros, bonés, bolsas, sapatos, palavras. Tantos vermelhos, tantas tonalidades, tanta vida. Naveguei entre as cores primárias e os amarelos. À cada esquina, uma nova cor. Propus o exercício para ‘aprender a ver’, e vi... muito e mais do que imaginava. As cores estão por todos os lados, em tantos segredos, em tantos detalhes. Caminhei pulsando, junto com a cidade. No ritmo dessas pessoas que não me pertencem, no tom d’esses cheiros que não são meus e nunca foram meus. Mistura bizarra. Com terceiras dúvidas e incompreensões. Caminhando, caminhando... sem saber pr’onde, sem saber quando.

Cheguei perto da rodoviária, parei em frente ao Hotel Vitória - esquina de Guaicurus com Curitiba. Me lembrei do Barba... hippie cinqüentão que conheci 4 anos atrás, na rodoviária de Campinas. Ele se hospedava no Hotel Vitória, todas as vezes que vinha em Belo Horizonte... e todas as vezes ele me telefonava, desse mesmo telefone, desse mesmo endereço. N’uma dessas viagens me lembrei de ir visitá-lo no hotel. Na recepção um embolado e enrolado ‘Oi tudo bom vim encontrar o Barba’ com vergonha, e a mocinha simpática ‘Entra moça, pode subir... apartamento ... (não me lembro o número).’E eu lá, entre aquele entra e sai danado de mulheres na recepção e outras pessoas com malas... que pareciam estar chegando ou saindo de viagem. Subi até seu quarto. No corredor estreito, sua porta aberta... de madeira branca... gasta... antiga. Descascada. E acho que o Barba era meio assim... me parecia meio descascado também. Seu quarto parecia sua casa. Um pequeno fogareiro à gás, roupas espalhadas, duas asas com a artesania exposta, e ele sentado na cama. Ele. Cinqüenta e poucos anos, dentes desalinhados, barba comprida de Papai Noel, unhas compridas, roupas surradas, cabelo amarrado., sorriso estampado no rosto cheio de marcas da idade (e da estrada). Figura. Fotografia em pensamento. Fotografia descascada. Saudade. Entrei no Vitória, sem questionamentos. Fiz a mesma pergunta, sem embolação. Me disseram que ele esteve por aqui a mais ou menos 15 dias. ‘Ah, tá...’. Pensei que isso quer dizer que ele deve estar pra chegar na cidade novamente (Barba nunca fica menos de 15 dias sem vir buscar suas preciosas pedrinhas, coquinhos e demais materiais). Abri a porta que dava pra rua. O bafo de poeira e calor se impregnou no meu rosto, no meu corpo. Nada que me pertença. Continuei a caminhar, sem saber pr’onde, sem saber quando...!

Continuei na Curitiba, a fim de encontrar alguma surpresa. No número 601, zás. Vejo uma placa colorida sorrindo pra mim, sobre uma loja da Ponto Frio: CINE ART-PALÁCIO. Entro na loja. Grande, cheia de equipamentos eletrônicos e sofás e estantes e madeira e pessoas e promoções e placas e um ar de consumo escroto. Avisto no fundo um palco, paredes antigas mantidas. Me surpreendo. Ao chegar ao centro da loja, vejo o todo. Um palco elevado, onde aconteciam as sessões, com escadas ao lado... corrimão dourado... emoldurado de uma armação de mandalas negras (circulares, ovais e quadradas) em torno de toda extensão de onde deveria ficar a tela. ‘Deus do céu’, pensei. As paredes ao redor formadas de losangos de gesso, em alto relevo, da metade da parede pra cima. Da metade pra baixo, tábuas de madeira. Suspirei. Olhei pro outro lado do salão, um andar superior com moveis à venda e dois projetores, um de cada lado. Não me contive e subi as escadarias. ‘oi senhora, já foi atendida?’, me perguntaram. ‘já sim, gratidão’. Nada mais à responder. Subi até onde o limite da loja me deixava e fiquei admirando os projetores. Suas quinas, curvas, contornos (pensei nas quinas, curvas e contornos que observava antes no mundo e nos homens). Cinza, preto, ferrugem. Marca do tempo, marca da idade, rugas de expressão – literalmente. Descascado. 17754/3h. O que será essa marcação no metrímetro/hora aqui ao lado?! Seria essa a ultima exibição desse projetor? Me sentei em um desses sofás ‘variedade para você ter escolha’ e respirei. Daqui do alto esse lugar é ainda mais majestoso. O piso, todo de pedras, roxo e branco, respira os passos de uma gente que não conheci, de uma história que não vivi – imagino os sapatos engraxados, os saltinhos das moças, os vestidos rodados, as gravatinhas, e os sapatos surrados que circularam sobre essas pedras lustrosas. Nas paredes observo também 6 cabines elevadas (três de cada lado) onde os marajós e os barões deveriam assistir os filmes com suas mulheres. Na parede também, lustres dourados... em formato de cone. Quanta memória guarda esse lugar. Pensei nos musicais, nos clássicos, em infância: Audrey Hepburn, Fred Astaire, Humphrey Bogart...! Trago qualquer coisa azul pra dentro do peito, qualquer coisa que invento e em que continuo a navegar. Fico parada ali, respirando, ‘nenhum nenhumas’, até perceber uma movimentação maior lá embaixo e decidir descer. Na saída, reparo: o chão continua intacto, original... as colunas de pedra também. Sem olhar para nenhum dos atendentes, nem o gerente (que sim, me chamou atenção), saio daquele lugar com uma sensação esquisita de pertencimento, de prioridade – minha ao lugar, do lugar em mim.  Saí sem olhá-los porque ‘quem eram eles para me olhar atravessado n’um lugar que era meu’. Ter a certeza de que se viveu, de que se juntou histórias, da preservação, da memória, dos cuidados, da imaginação... e de que todo esse amor será passado pra frente. Dos musicais, dos clássicos, da infância. Cinema, realidade, invenção, cri(ação)! Sim, amor. Sim, eu pertenci. Eu pertenço. E amo. E sinto. E respiro. E a cidade continua. Com seu bafo quente, com seus olhos puchados, com seus olhos amêndoas, com suas peles negras, mulatas, amarelas, pintadas, com suas pizzas, mesas de bar, cabelos lisos ao vento, pêlos nos rostos, pelos nos sexos, com dias nublados, com seus domingos azuis, com seus sábados de encontro, seus sorrisos fáceis, com olhares desviados, com memórias, com mentiras, com verdades, com invenções, interpretações. Caminhando... sabendo pr’onde, construindo quando...!

(sonhos em preto e branco...)